É melhor ser traído ou trair? – O que Platão já sabia e o cristão esqueceu (especial pascoa)

É melhor ser traído ou trair? – O que Platão já sabia e o cristão esqueceu



Vamos direto ao ponto. A maioria das pessoas não quer pensar sobre isso porque a resposta incomoda. Ninguém gosta da ideia de ser traído. Dá raiva. Dá nojo. Dá vontade de revidar. Mas a pergunta que Platão levanta — lá no Górgias — é mais provocadora do que parece: o que é pior, sofrer uma injustiça ou cometê-la?

No fundo, a maioria vai dizer: “ah, depende”. Aí já começou a enrolação. Já tá negociando com a consciência. Mas Sócrates, que nesse diálogo é a voz de Platão, não dá essa margem. Ele afirma com todas as letras: é muito pior cometer uma injustiça do que sofrer uma. Simples. Porque quando você comete uma injustiça, você destrói a si mesmo. Não por fora — por dentro. Você fere a sua alma, a estrutura invisível que sustenta quem você é de verdade. E isso não tem conserto com pedido de desculpa, com terapia, com curtida em rede social.

A diferença entre a filosofia grega clássica e essa filosofia de Instagram que a gente vê hoje é justamente essa. A clássica te confronta. Ela quer saber quem você é quando ninguém tá olhando. A moderna só quer que você se sinta bem. Sócrates não quer te fazer feliz — ele quer que você seja justo. Mesmo que isso te custe tudo.

Agora traz isso pro campo cristão. Cristo, no momento mais tenso da vida dEle, é traído por alguém que andou com Ele por anos. E mesmo assim, Ele não revida. Ele não se revolta. Ele não amaldiçoa. Ele continua sendo Ele. Isso é fortaleza. Isso é ter uma alma inquebrantável. Jesus escolheu sofrer o mal sem praticar o mal. Ele sabia que trair — mesmo que fosse por autodefesa, mesmo que fosse por justiça — significaria trair a si mesmo. E quem se trai, se destrói.

O que é ser cristão, afinal? Ir na igreja domingo, levantar a mão no louvor, colocar versículo na bio? Ou é tomar decisões como essa, quando o sangue ferve, quando o orgulho pede vingança, mas você escolhe a integridade?

A maioria das pessoas prefere trair. Porque é mais fácil. Porque resolve mais rápido. Porque parece mais inteligente. Mas isso tem um custo. Um custo que não aparece agora, mas que vai se acumulando em silêncio. E de repente você acorda com 40 anos, cheio de conquistas, mas vazio. Porque sua alma virou um terreno de guerra onde você sempre se traiu um pouco mais pra sair ganhando.

Platão falava que a alma tem uma ordem — e que viver bem é viver em harmonia com essa ordem. No cristianismo, a gente fala em santidade, em pureza de coração, em caminhar no Espírito. A linguagem muda, mas a ideia é a mesma: existe um jeito certo de viver, que não depende das circunstâncias. Que exige renúncia, exige sacrifício, exige dizer “não” pra si mesmo.

E aí vem a pergunta real: você prefere sair ganhando por fora ou seguir limpo por dentro?

Porque, convenhamos, o traído pode até perder uma relação, uma amizade, uma oportunidade. Mas ele dorme em paz. Agora o traidor — ah, esse carrega um rastro. Mesmo que ninguém saiba. Mesmo que ele tenha convencido o mundo inteiro de que estava certo. Ele sabe. E isso basta.

A resposta de Platão é dura, mas honesta: é melhor ser traído do que trair. A resposta de Cristo é mais dura ainda: é melhor morrer inocente do que viver manchado. E ambas exigem de você uma coisa que tá em falta: caráter.

É isso. Não tem glamour, não tem autoajuda, não tem final feliz garantido. Mas tem algo melhor: integridade. E isso vale mais do que qualquer vitória rápida. Porque no fim, é com a alma que a gente vive. E é nela que mora a paz que ninguém pode roubar.

E é justamente aqui que entra o peso da Páscoa — mas não o da cultura pop, nem da Páscoa diluída em ovo de supermercado. A Páscoa verdadeira, a que tem sangue, suor, silêncio e cruz. A Páscoa que mostra de forma visceral o que significa ser traído… e mesmo assim não trair de volta.

Cristo sabia exatamente quem iria traí-lo. Sabia do beijo falso, sabia da negação, sabia do abandono. E mesmo assim lavou os pés de todos. Mesmo assim partiu o pão com quem ia vendê-lo. Mesmo assim permaneceu fiel até o fim. Ele não agiu com cálculo político. Não se protegeu com cinismo. Não revidou. E não foi porque Ele era fraco. Pelo contrário. Ninguém carrega uma cruz por covardia. Ninguém enfrenta a injustiça suprema sem ser, por dentro, de aço. Aço puro.

A Páscoa é o símbolo final do que Platão estava tentando dizer séculos antes. É melhor ser injustiçado do que cometer uma injustiça. Porque a justiça não é uma ideia — é uma forma de existir. É o eixo que sustenta quem você é, mesmo quando o mundo inteiro desaba. A cruz não foi só um instrumento de morte. Foi o palco onde a justiça foi levada até o limite — e não cedeu.

Se você trai, você mata a si mesmo antes de qualquer consequência externa. Mas se você é traído e permanece inteiro, você se alinha com algo que está acima da lógica imediata do mundo. Você se aproxima de Cristo. E aí a Páscoa deixa de ser um feriado e passa a ser um espelho.

Não se trata de ser bonzinho. Trata-se de ser incorruptível. Trata-se de carregar dentro de si algo que não tem preço, que não se negocia. Porque se você entrega isso… então não importa mais o que você ganhe. Já perdeu.

É isso que Platão estava dizendo. É isso que Cristo demonstrou. E é isso que a Páscoa, no fundo, ainda tenta nos lembrar. Mesmo quando a gente insiste em esquecer, a verdade não muda. E aqui está o ponto-chave que Platão, com toda a sua genialidade, não conseguia alcançar por completo. Porque por mais que ele entendesse a importância de não trair a alma, ele ainda acreditava que bastava razão, disciplina e filosofia pra manter a integridade. Mas nós sabemos, pela própria experiência humana, que isso não é suficiente.

A verdade é que, antes de Cristo, a humanidade sabia o que era certo — mas não conseguia viver de acordo. A vontade de trair, de mentir, de se proteger a qualquer custo, de escolher o caminho fácil, sempre falava mais alto. O mal não estava só do lado de fora, ele estava dentro. Habitava o coração. E por mais que houvesse leis, moral, sabedoria e filosofia, ninguém conseguia vencer essa inclinação sozinha.

Essa é a tragédia humana que a Páscoa resolve. Porque quando Cristo se entrega na cruz, Ele não só nos dá um exemplo de vida incorruptível — Ele nos dá acesso ao poder de viver assim. Ele, o único sem pecado, se torna o sacrifício perfeito. Ele paga o preço por todas as nossas traições, por todas as vezes em que vendemos a verdade por conveniência. Mas Ele não para por aí. Ele ressuscita. E ao fazer isso, nos oferece algo que Platão jamais poderia imaginar: o Espírito Santo.

O Espírito é esse poder interior que nos torna capazes daquilo que, por nós mesmos, era impossível. Ele nos dá força pra dizer “não” quando o mundo inteiro diz “sim”. Ele nos convence quando estamos prestes a negociar. Ele nos sustenta quando o orgulho quer gritar. Ele nos transforma por dentro. Não com uma força de vontade fabricada, mas com uma nova natureza. Uma que tem sede de justiça. Uma que não precisa trair pra sobreviver, porque já morreu com Cristo e já ressuscitou com Ele.

Isso muda tudo. Porque agora não é só uma questão de saber o que é certo — é uma questão de ter o poder de viver o certo. Não perfeitamente, não sem falhas, mas com uma bússola interna que foi restaurada. Com um coração que já não é mais de pedra. Com uma consciência que já foi purificada.

Por isso é que, hoje, o cristão pode olhar pra essa pergunta — “é melhor ser traído ou trair?” — e responder com a vida. Não por heroísmo vazio, mas porque foi habitado pelo próprio Espírito do incorruptível. Porque recebeu graça pra viver diferente. Porque carrega dentro de si a força que venceu a morte e venceu o pecado.

Ser traído ainda dói. Mas não define mais quem somos. Trair ainda será uma tentação. Mas agora, temos escolha. Temos poder. Temos o Espírito que nos guia à verdade — e nos faz permanecer nela.

É por isso que a cruz não é só símbolo de sofrimento, mas de restauração. E a Páscoa não é só memória, é convocação. Um chamado pra viver aquilo que o mundo já não espera ver: uma vida incorruptível. Uma vida onde, mesmo diante da traição, a resposta ainda é fidelidade. Porque agora não estamos mais sozinhos. E isso muda tudo.

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